Esta é uma pergunta que mexe com a minha imaginação há muito tempo.
Nunca estou satisfeito com aquilo que conheço sobre mim, mas desejo sempre
saber qual é, de fato, a minha essência. O problema é que não posso compreender
toda a amplidão da minha essência; toda a complexidade presente nesta pergunta.
É como se eu possuísse várias faces que pudessem ser vistas de formas
diferentes.
O autoconhecimento é um processo que dura a vida toda e que, de alguma
forma, precisa da presença de outra pessoa para se realizar. O que é possível,
então, é ir buscando o sentido da própria existência aos poucos. Nessa busca,
várias podem ser as formas de se procurar. Uma dessas formas de procura se
chama intersubjetividade.
Intersubjetividade é a relação que acontece entre duas ou mais pessoas.
Sabemos que existem diversas formas de se relacionar com as pessoas. Hoje, por
exemplo, está na moda o bate-papo pela internet. Não deixa de ser uma relação,
mas é relação que não estabelece nenhum vínculo forte. A relação intersubjetiva
não é uma relação qualquer. Ela exige encontro pessoal, diálogo atento e
respeitoso, responsabilidade e acolhida, confiança e até mesmo silêncio algumas
vezes.
As ideias de Gabriel Marcel,
filósofo francês do final do século XIX, contribuem para a valorização do ser
humano no mundo atual, tão marcado pela competência técnica e pela banalidade da
essência das pessoas. No pensamento marceliano, o ser humano deve tentar
esclarecer a sua própria condição partindo de experiências concretas da vida e
não de um conjunto de teorias, pois o método científico reduz a realidade a
enfoques fragmentários. Além do mais, o ser humano sempre transcende qualquer
teoria.
Já Enrique Dussel, filósofo argentino nascido em 1934 e que é um
dos maiores nomes da Filosofia da Libertação e do pensamento latino-americano,
apresenta duras críticas à Pós-Modernidade (?), caracterizada pelo
individualismo e pela exclusão do diferente. Dussel compreende duas realidades: a Totalidade e a Alteridade. A
Totalidade é uma visão única da realidade e da pessoa humana, onde tudo e todos
têm que apresentar as mesmas características. Uma vez definido o que é ser
humano, todos devem enquadrar-se nesta definição. A Totalidade representa o
contrário da Alteridade, que é uma visão de pluralidade, de respeito ao próximo
e onde o outro é sempre novidade.
Dependendo da via escolhida, os conceitos de “mesmo” e “outro”
assumem um significado diferente. Por exemplo, na Totalidade, que é a realidade
fechada em si mesma, o “mesmo” representa aquele que tem valor e que serve de
modelo (o único modelo) e o “outro” é puramente o reflexo do mesmo; se for
diferente, não é aceito. Já na Alteridade, que rompe com a Totalidade, o
“outro” é sempre novidade e distinto. Note-se que distinto não significa a mesma
coisa que diferente: “o outro” diferente da Totalidade é a cópia de “o mesmo”;
“o outro” distinto da Alteridade é aquele que contribui com algo genuíno. Da mesma
forma, a relação acontecida entre determinadas pessoas ou grupo de pessoas pode
ser assumida sob a ótica do pensamento Totalizado, onde tudo já está
determinado e não ocorre a valorização do outro, ou sob a visão da Alteridade,
que é, segundo Dussel (1977), o coração que sabe ouvir a voz do outro.
A grande questão é que não podemos deixar de ouvir a voz do
outro para ouvirmos a nós mesmos. Há que fazer silêncio, mas silêncio por opção
e não por opressão, como acontece quando dominamos o outro. Há que deixar que o
outro seja ele mesmo.
(Gilson)