terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“QUEM SOU EU?”

Esta é uma pergunta que mexe com a minha imaginação há muito tempo. Nunca estou satisfeito com aquilo que conheço sobre mim, mas desejo sempre saber qual é, de fato, a minha essência. O problema é que não posso compreender toda a amplidão da minha essência; toda a complexidade presente nesta pergunta. É como se eu possuísse várias faces que pudessem ser vistas de formas diferentes.
O autoconhecimento é um processo que dura a vida toda e que, de alguma forma, precisa da presença de outra pessoa para se realizar. O que é possível, então, é ir buscando o sentido da própria existência aos poucos. Nessa busca, várias podem ser as formas de se procurar. Uma dessas formas de procura se chama intersubjetividade.
Intersubjetividade é a relação que acontece entre duas ou mais pessoas. Sabemos que existem diversas formas de se relacionar com as pessoas. Hoje, por exemplo, está na moda o bate-papo pela internet. Não deixa de ser uma relação, mas é relação que não estabelece nenhum vínculo forte. A relação intersubjetiva não é uma relação qualquer. Ela exige encontro pessoal, diálogo atento e respeitoso, responsabilidade e acolhida, confiança e até mesmo silêncio algumas vezes.
As ideias de Gabriel Marcel, filósofo francês do final do século XIX, contribuem para a valorização do ser humano no mundo atual, tão marcado pela competência técnica e pela banalidade da essência das pessoas. No pensamento marceliano, o ser humano deve tentar esclarecer a sua própria condição partindo de experiências concretas da vida e não de um conjunto de teorias, pois o método científico reduz a realidade a enfoques fragmentários. Além do mais, o ser humano sempre transcende qualquer teoria.
Já Enrique Dussel, filósofo argentino nascido em 1934 e que é um dos maiores nomes da Filosofia da Libertação e do pensamento latino-americano, apresenta duras críticas à Pós-Modernidade (?), caracterizada pelo individualismo e pela exclusão do diferente. Dussel compreende duas realidades: a Totalidade e a Alteridade. A Totalidade é uma visão única da realidade e da pessoa humana, onde tudo e todos têm que apresentar as mesmas características. Uma vez definido o que é ser humano, todos devem enquadrar-se nesta definição. A Totalidade representa o contrário da Alteridade, que é uma visão de pluralidade, de respeito ao próximo e onde o outro é sempre novidade.
            Dependendo da via escolhida, os conceitos de “mesmo” e “outro” assumem um significado diferente. Por exemplo, na Totalidade, que é a realidade fechada em si mesma, o “mesmo” representa aquele que tem valor e que serve de modelo (o único modelo) e o “outro” é puramente o reflexo do mesmo; se for diferente, não é aceito. Já na Alteridade, que rompe com a Totalidade, o “outro” é sempre novidade e distinto. Note-se que distinto não significa a mesma coisa que diferente: “o outro” diferente da Totalidade é a cópia de “o mesmo”; “o outro” distinto da Alteridade é aquele que contribui com algo genuíno. Da mesma forma, a relação acontecida entre determinadas pessoas ou grupo de pessoas pode ser assumida sob a ótica do pensamento Totalizado, onde tudo já está determinado e não ocorre a valorização do outro, ou sob a visão da Alteridade, que é, segundo Dussel (1977), o coração que sabe ouvir a voz do outro.
           A grande questão é que não podemos deixar de ouvir a voz do outro para ouvirmos a nós mesmos. Há que fazer silêncio, mas silêncio por opção e não por opressão, como acontece quando dominamos o outro. Há que deixar que o outro seja ele mesmo.

           
           É preciso relações puras, sinceras, sem interesses ou mesmo desejo de reciprocidade. Trata-se de fazer o bem ao outro simplesmente porque ele é outro e não porque se espera algo dele. Diante do outro não é possível dizer que já se fez o suficiente e nem é possível prever antecipadamente o que fazer. O outro exige desestruturação e mudança de esquemas: as coisas são assim, mas também podem ser mais do que isso. Quando, na Totalidade, alguém se fecha em si mesmo, ensina as outras pessoas a se fecharem também; quando, na Alteridade, alguém assume livremente a condição do outro excluído para ajudá-lo a libertar-se do círculo da Totalidade, ensina que é possível uma relação intersubjetiva (de alteridade) na sua forma mais verdadeira.                         
                                                                                                                                    (Gilson)