NA ÚLTIMA VEZ QUE ESCREVI, discorri sobre o mal que causamos quando nos recusamos a pensar. Utilizei-me
de palavras da célebre Hannah Arendt para dizer que a manifestação do ato de
pensar é a habilidade de distinguir o bem do mal. Tenho clareza do enfoque
negativo que dei ao comportamento humano naquele texto. Por isso apresento agora uma visão mais
positiva da nossa realidade.
Ainda estão na memória
dos brasileiros as manifestações ocorridas em julho de 2013 e conhecidas como “a
primavera brasileira”. Elas representam um marco na história do Brasil ao
apresentar o rosto de uma nova juventude comprometida com o comportamento coletivo
e atuante na sociedade, ainda que desvirtuada algumas vezes e por algumas
poucas pessoas.
Pesquisando sobre
o tema, encontrei o Projeto Sonho
Brasileiro, divulgado pela Box 1824, empresa com atuação no mapeamento de
tendências de comportamento. Com uma pergunta simples: “O que você pode fazer
para melhorar o lugar onde você vive?”, o projeto busca acordar o Brasil de dentro pra fora através de sonhos realizáveis que
gerem um impacto positivo na vida dos brasileiros, a partir da perspectiva
de jovens entre 18 e 24 anos. Para isto, foi realizada uma pesquisa, com fases quantitativa
(realizada pelo Datafolha e entrevistando 1784 pessoas de 173 cidades em 23
estados do Brasil, com perfis sociais distintos, das classes A, B, C, D e E) e
qualitativa (nesta fase foram entrevistos jovens das classes A, B e C, que
residem nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre).
Os resultados encontrados
são, na maioria, positivos e também questionadores. Destaco alguns: 25.906.194
de jovens tem entre 18 e 24 anos hoje no Brasil; 89% dos jovens disseram ter
orgulho do país, enquanto 11% afirmaram ter vergonha; 76% pensam que o Brasil
está mudando para melhor; 59% afirmam não ter partidos políticos e 83% analisam
que os políticos se afastaram da essência da atividade da política. Quando questionados
sobre qual o maior sonho, 55%
responderam ser a formação profissional e emprego; 15% casa própria; 09%
dinheiro; 06% família e 03% carro/moto/eletrodomésticos. Sobre como poderiam
ajudar a transformar o Brasil, 56% responderam
que agindo com honestidade no dia a dia e 30% aproveitando as oportunidades que
o Brasil oferece. Como resposta à pergunta: como a
geração atual enxerga a si mesma, temos:
35% como sonhadora; 34%
como consumista; 31% como responsável; 28% como batalhadora e 8% como
comunicativa.
Estes percentuais
apontam uma perspectiva esperançosa para o futuro do país. Surge aí a ideia de
um novo coletivo. Novo porque a ideia
de coletivo que esta geração traz é bastante diferente daquela geração dos anos
70, por exemplo, representada pelos jovens que se doavam totalmente a um ideal,
chegando inclusive a dar a própria vida por ele. A pesquisa indica que os
jovens de hoje podem, ao mesmo tempo, afirmar que o
seu bem estar individual depende do bem estar da sociedade onde vivem (77%) ou
que têm que pensar em si mesmo antes de pensar no outro (59%). Pensar no
outro não exclui pensar em si mesmo.
A estes jovens comprometidos com as mais diversas áreas da sociedade, a
pesquisa denominou transformadores ou
jovens-pontes. Suas principais
características são a responsabilidade pelo coletivo,
a ação e o otimismo pragmático. “Todos eles acreditam que estão transformando a
sociedade.”, afirma Carla Mayumi, sócia da Box1824. Porém, mais do que apenas
acreditar, eles estão de fato transformando a realidade do lugar onde vivem. Cada
pequena ação, isoladamente, soma-se a outras e juntas formam verdadeiras revoluções
na sociedade (entendendo revolução por uma
mudança fundamental no poder político ou na
organização estrutural de uma sociedade e também no campo científico-tecnológico,
econômico e comportamental humano). Considerando que 8% dos entrevistados se encaixam neste perfil, significaria
dois milhões de jovens, se aplicado o percentual ao total de brasileiros com
faixa etária de 18 a 24, cerca de 26 milhões.
O verdadeiro “poder” de um jovem-ponte está no
fato de ele transitar por diversos grupos e recolher diferentes ideias, para então redistribuí-las
e conectar redes e pessoas que nunca se falariam. Este jovem funciona como um catalisador de ideias, gerando um novo tipo
de influência, que se dá pela transversalidade. A este fenômeno chamamos hiperconexão. Quando uma pessoa,
mais comumente um jovem, expõem suas ideias individuais na rede, qualquer
pessoa que pense como ele pode começar a agir junto. Aí começa um novo movimento/organização.
“Sonhar é acordar-se para dentro”, disse Mario
Quintana. Ouso fazer a minha interpretação deste pensamento: quem sonha, tem a capacidade
de perceber os anseios mais profundos do próprio ser, daquilo que a alma busca
como sendo essencial para a própria felicidade. E ao perceber-se “por dentro”,
inevitavelmente veremos o reflexo do outro. (Gilson)
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